Com o avanço avassalador do COVID-19 em diversos países da América Latina, com muitos decretando o isolando social massivo como forma de prevenção e combate à pandemia, a guerra por informação se torna pauta fundamental na defesa da vida e no desenho de políticas públicas pelo cenário por vir.

O Brasil conta atualmente com 4579 casos confirmados, o Rio de Janeiro é o segundo estado mais afetado, com 657 casos confirmados e 18 mortes. A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), segunda maior área metropolitana do país, confirmou no dia 30 de março, 629 casos e 16 mortos. Apesar dos desentendimentos políticos das diferentes esferas, o poder executivo do estado vem seguindo as determinações da OMS e do Ministério da Saúde, as quais incluem: evitar aglomerações, manter um padrão de higiene (lavar as mãos com água e sabão ou usar álcool em gel) e manter os ambientes bem ventilados.

A situação de adensamento populacional excessivo nas periferias da RMRJ põe essas determinações em cheque na sua aplicação. [“Dados organizados pela Casa Fluminense, a partir do Censo 2010 e do Índice de Progresso Social 2018, apontam que 300 mil casas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro têm mais de 3 pessoas por quarto.”]((https://oglobo.globo.com/rio/desafio-300-mil-casas-com-pelo-menos-3-moradores-em-um-quarto-ambiente-favoravel-ao-coronavirus-24328899) Em termos de moradia, a RMRJ concentra o maior número de adensamentos populacionais do país.

Além disso, há pouco menos de 2 meses o estado sofreu uma forte crise hídrica de abastecimento e qualidade de distribuição da água, piorando os índices de saneamento básico, especialmente em territórios vulneráveis. Calcula-se que hoje existam mais de 35 milhões de brasileiros sem acesso à água e mais de 100 milhões de pessoas sem coleta de esgoto. Se olharmos especificamente para a Região Metropolitana do Rio, apenas no ano de 2017, foram 1.791 internações por doenças ligadas à falta de saneamento, sendo que 64% delas foram da população de 0 a 4 anos.”. O Rio conta com um dos piores índices de acesso a saneamento básico e o Ranking do Saneamento básico de 2019 no Brasil aponta que cinco cidades do estado estão entre as piores do país, todas concentradas na RMRJ.

Nesse contexto de exposição do cenário sensível do estado, o COVID transpassa a capital continua se espalhando pelas periferias e favelas da RMRJ, já tendo sido confirmados casos na Cidade de Deus, Manguinhos, Para de Lucas e Vidigal. Com a restrição para realização de testes, estima-se que o número de pessoas atingidas seja muito maior.

É nítido como a pandemia afeta de forma desigual pessoas e territórios. No contexto de vulnerabilidade da RMRJ, diversas lideranças e organizações da sociedade civil, junto de movimentos sociais, vêm mobilizando campanhas de arrecadação de insumos como cestas básicas e materiais de higiene para ajudar na prevenção e combate do alastramento da doença. Também foram realizadas ações de disseminação de informações confiáveis sobre o COVID-19 nas comunidades em que atuam, através de pôsteres e faixas em locais públicos. Nesse contexto, surge um novo eixo de desigualdade para discussão: a guerra da (des)informação.

Aplicativos de comunicação, plataformas de mobilização, redes de informação oficial, atendimentos médicos online têm como vetor comum para sua articulação e difusão o uso da internet. Isso determina a necessidade de conexão das pessoas às redes, demonstrando uma outra fragilidade no leque de desigualdades brasileiras.

No país, 33% das casas estão desconectadas, sem conexão inclusive através de aparelhos telefônicos. Entre as classes D e E essa desconexão é de 59%. Dos domicílios conectados, 27% acessa a Internet por conexão móvel via modem ou chip 3G e 4G e 55% das conexões móveis são através de contas pré-pagas com pacotes de dados restritos. “Essas conexões limitadas tornam-se ainda mais insuficientes para a garantia de direitos no momento de redução da renda familiar e limitação do deslocamento que, em geral, permite a conexão em locais sem limites de navegação como o trabalho, em Wi-Fi público ou no comércio.” Essas estatísticas afetam com maior incidência zonas periféricas e vulneráveis, onde predomina a população de baixa renda, onde sabemos que acesso à internet é limitado e onde a maior parte das pessoas só possui acesso através de celular - quando o tem.

O acesso à internet e à informação fazem parte do exercício da cidadania para condução dos assuntos públicos, devendo contar com a participação cidadã. A restrição de conectividade pela franquia de pacotes de dados cria barreiras no acesso a plataformas e aplicativos de instituições públicas, aos serviços de telemedicina, aos sites de mídias tradicionais e até às redes sociais. Esses serviços dependem do acesso - ainda não universalizado - à internet no Brasil. Esse cenário afeta de forma mais latente populações mais vulneráveis que já se encontram em uma posição de debilidade, acirrada pelo contexto do COVID. Um crise de saúde pública que tem escancarado os abismos das desigualdades sócio-econômicas dos países pede reflexão profunda sobre nossos modelos de sociedade.

Na dificuldade de opinar sobre presente e futuro em um período de debilidade política e acirramento de desigualdades, reafirmamos a urgência de um giro democrático. A partir da Fundação Cidadania Inteligente destacamos a importância e fortalecemos as ações de solidariedade locais, promovidas lideranças, movimentos sociais e OSCs. Contudo, a importância das eleições num contexto pós crise tem a ver com mostrar a resiliência do Estado e de como as instituições são capazes de sobreviver a grandes crises. É por isso que estamos trabalhando no projeto “GIRO2020” juntamente à Casa Fluminense, que consiste em reforçar a democracia antes, durante e depois das eleições. Neste contexto, o GIRO 2020 é uma experiência que acessa um conjunto de estratégias e táticas para contribuir para a mudança do cenário político do Rio de Janeiro.

Isto permitirá impulsionar o trabalho de diferentes agentes sociais e institucionais na contenção do cenário de crise atual e futuro, dando prioridade a um programa proativo de políticas públicas empenhado em reduzir as desigualdades.

As regras, a força e a divisão dos poderes na estrutura do Estado existem para funcionar como uma rede segura para quando as coisas não vão bem. A crise coloca em cheque o debate sobre a retirada dos direitos e afronta a cartas de direitos humanos, visto que os últimos projetos políticos que assolaram Brasil e outras regiões, atrelados à extrema direita nacionalista, não estão sendo capazes de responder como garantir que a sociedade saia dessa crise. O COVID talvez seja ponto de partida para repactuar uma série de valores, linhas de ações políticas que as duas primeiras décadas do século XXI não deram conta de resolver.

Como uma organização comprometida com a correção das desigualdades sociais e raciais nos somamos aos esforços globais de enfrentamento ao COVID-19 e cobramos medidas eficazes para frear o aceleramento das desigualdades nesse novo contexto.